Como é bom relembrar a infância, principalmente quando se teve avós.
Todo mundo já ouviu dizer que avós são como segundos pais, mas vocês devem concordar comigo que tem uma grande diferença, eles não são castradores, aliás ao contrário, são quase transgressores... Enquanto o pai e mãe têm aquele papel de educar com disciplina e ordem, os avós nos dão liberdade e deixam com que a nossa imaginação extrapole a realidade. Com os avós tudo é lúdico, o que é muito melhor. Claro que tenho ótimas lembranças da infância com meus pais também, mas é a saudade que tenho dos avós que me faz voltar a esta época.
Lembro como se fosse hoje de como minha avó paterna a D. Glória, como chamávamos, me ensinou a ler e escrever. Nós trocávamos cartas. Agora imaginem um menino com 4 ou 5 anos no máximo sendo incentivado a escrever cartas para a avó, foi assim que conheci as primeiras letras, comecei a formar as primeiras palavras e depois as frases, além de aprender dobraduras para compor os envelopes. Aí a maior surpresa, quando entrei no pré-escolar já estava apto para ir ao primeiro ano, infelizmente minha idade não permitiu. Mas este foi o primeiro grande impacto causado por esta avó, uma portuguesa com certeza... D. Glória era uma pessoa iluminada, com uma paciência, tolerância e senso de justiça sem igual. Alguns valores que tento ter como base. Quando ela faleceu, escrevi um pequeno poema em sua homenagem, o Soneto à Glória.
Já com a minha avó materna era diferente. Carioca de nascimento, passou praticamente toda a vida em Três Corações – MG, local onde usufruí de várias férias colhendo frutas direto das árvores a aprendendo o valor das coisas da terra. Praticamente tudo o que se comia vinha da horta e do pomar, além disso, tinham as galinhas que nos davam os ovos e a carne, que no final do ano era de porco, que era engordado durante o ano inteiro e depois compartilhado em família nas festividades. Mas voltando a avó, Dona Cira era a típica matriarca, daquela que decide tudo mesmo, perspicaz e trabalhadora, seja fazendo seus maravilhosos doces caseiros ou dando uma benção, sempre estava empenhada em alguma atividade do lar. Criou todos os filhos, dezenas de netos, bisnetos e até tataranetos com muita garra e com certeza foi um ótimo exemplo também.
Já entre os avôs, infelizmente não conheci o materno, Sr. Anselmo, mas em compensação tive a felicidade de ter o Sr. Antônio ao meu lado até os 28 anos. Este sim é, junto com meu pai, a pessoa que muito me influencia até hoje, não tenho dúvidas disso. Este português ex-sindicalista era um incompreendido e lógico tinha lá seus defeitos, mas não posso negar que grande parte de todas aquelas pequenas felicidades do dia-a-dia, da minha infância e adolescência foram compartilhadas com ele. Ceramista de profissão, o cara tinha uma habilidade manual sem comparação, fazia vasos, esculpia em concreto, madeira e barro, fazia todos os reparos e uma vez por ano pintava toda a casa em um ritual único. Metódico e teimoso, resolvia as coisas com uma facilidade que beirava a frieza, era realmente muito prático.
Foi o Sr. Antônio que me ensinou a plantar árvores, com ele plantei algumas das que temos até hoje em casa, foi também com ele que aprendi a usar o alicate, o martelo e o serrote, ferramentas fundamentais para um homem de verdade. Hahah...
Agora, lembra aquela história de transgressão? Desde pequeno tenho uma paixão pelas duas rodas, e foi ele que me iniciou nas motorizadas, lembro como se fosse hoje.Neste dia inesquecível, ele me chamou na casa dos fundos onde vivia e disse para me preparar, pois iríamos ao banco, coisa que fazíamos sempre, mas com dia marcado, enfim. Tomei um banho, e fomos os dois de ônibus, ao chegar ele tirou um papel do bolso com um valor anotado, a moça pediu-lhe que assinasse um documento e retornou com uma quantia de dinheiro que nunca tinha visto ao vivo na minha vida. Daí fomos de taxi á uma loja da Caloi e logo pensei que ia ganhar uma bike nova, mas para a minha surpresa ele falou para eu escolher uma cor para a Mobillete que fomos comprar. Lógico que adorei a surpresa, mas meu pai nada contente ficou furioso e chegou a acusar ele de querer me matar no trânsito, mas a transgressão já estava feita e eu adorei. Hahah... Resumindo demorei três meses para poder sair com a motinha, como a chamava, e mesmo assim com restrições do meu pai. Paciência!!!
Enfim, estas são só algumas das coisas que me lembro dos meus avós, poderia escrever um livro de memórias, mas o que quero compartilhar, é a felicidade de ter crescido com tanta diversidade, que me deram referências para me transformar no que sou e reconheço que devo muito a eles.
À D. Glória e D. Cira e ao Sr. Antônio, que estejam em descanso.
Perambulando por Segóvia na Espanha
Há um ano
Nossa que texto gostoso... Me lembrei das minhas avós tb. Meus avôs não conheci. Nossa bateu uma saudade... Sabia que minha vó Maura é de Lavras-MG? Ela é responsável pro muito do que sou hoje. Viva os avós da gente!
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